segunda-feira, 7 de maio de 2012

Nova Escola e vida nova em Serra grande


Nova escola e vida nova em Serra Grande

Comunidade se engaja no planejamento da educação de seus jovens e caminha em direção ao desenvolvimento sustentável

I - Contexto

Oportunidade - A comunidade da Vila de Serra Grande, distrito litorâneo de Uruçuca, no sul da Bahia, com aproximados 4 mil habitantes, foi beneficiada em 8 de fevereiro de 2012 pela doação, por parte dos empres·rios Renato Guedes e Nelson Moraes, de terrenos que somam por volta de 40 mil m², onde deverão ser erguidos uma creche, uma escola municipal para o ensino fundamental, uma escola de ensino médio e um posto de saúde.

A construção dos novos equipamentos educacionais foi recebida pelas lideranças comunitárias locais não só como uma chance de estabelecer um espaço físico que estimule o aprendizado das crianças, desativando as instalações atuais, improvisadas em prédios que não foram concebidos para receber escolas. Mas também como uma oportunidade de aperfeiçoar o modelo pedagógico adotado e assim reverter o baixo desempenho escolar, constatado em um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 3,1 (numa escala de 0 a 10), além de reduzir a grande evasão escolar e a alta taxa de analfabetismo que atinge 30% da população adulta.

A nova escola é ainda percebida como um fator indutor de mudanças sociais, capaz, ao longo prazo, de valorizar os cidadãos e resgatar a cultura local, ao mesmo tempo em que prepara os moradores para entender melhor o mundo no qual estão inseridos e, assim, aproveitar as oportunidades de trabalho e empreendedorismo que podem elevar as condições sócio-econômicas de uma população onde 90% das famílias, compostas em média por 5 pessoas, possuem renda de até 2 salários mínimos. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local é de 0,65, enquanto a média brasileira é de 0,81.

Situação atual - A creche da Vila de Serra Grande atende 150 crianças de 3 a 5 anos, número insuficiente para o distrito, e não conta com espaço para acolher as crianças menores de 3 anos. No total precisaria abrigar por volta de 300 crianças. Na escola de ensino fundamental 1 e 2, estão matriculadas 900 alunos e 200 adolescentes acompanham o ensino médio. Alunos e professores se queixam sobre as condições das salas de aula, que são abafadas e minúsculas, com capacidade para receber 20 estudantes, mas são ocupadas por mais de 30. Não há espaço de lazer, laboratório, biblioteca ou mesmo espaço para executar tarefas extracurriculares.

A falta de espaço deve se agravar com o crescimento da Vila. A previsão é que a instalação de novos empreendimentos imobiliários e hoteleiros dever levar entre 300 e 400 trabalhadores a se mudarem com suas famílias para o distrito nos próximos anos.

Potencial econômico - A comunidade de Serra Grande passa por um momento de transição econômica. Fundada em 1941, a vila foi ocupada primeiramente por pequenos agricultores e pescadores. Apesar de estar situada no sul da Bahia, a vila não conta com uma terra propícia ao cultivo do cacau, fruta que fez o apogeu e o declínio econômico de sua vizinha, Ilhéus. Durante 40 anos, a principal atividade do distrito foi o extrativismo florestal.

Em 1997 o Governo do Estado criou o Parque Estadual da Serra do Conduru, parte integrante da ¡rea de proteção Ambiental (APA) Itacaré Serra Grande, como medida compensatória à construção da Rodovia BA001 - Estrada Parque, entre Ilhéus e Itacaré. A região onde est· inserida a Vila conta com uma das mais ricas biodiversidades do país. O trabalho dos institutos Floresta Viva e Ynamata ajuda a forjar um novo perfil econômico como um pólo fornecedor de flora tropical para áreas de reflorestamento, para as indústrias moveleira e de construção, assim como fornecedora de flora ornamental. Assim como a Escola Superior de conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas) atua na região com a oferta de mestrado profissional em conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustent·vel. Outras vocações do distrito são o turismo, a pesca e o artesanato. A estrutura de ensino, porém, ainda não est· atenta às oportunidades e as demandas profissionalizantes dos alunos.

II - O Seminário

Ação - Diante da necessidade de se criar uma nova e adequada estrutura de ensino para a comunidade de Vila de Serra Grande, o Movimento Vila Aprendiz promoveu nos dias 8 e 9 de fevereiro um Encontro de educação, um amplo debate sobre pedagogia e estrutura física escolar onde estiverem presentes representantes do Ministério da Educação, liderados pela ex- secretária nacional de educação básica Maria do Pilar, e das secretarias estadual e municipal de educação. Os educadores José Pacheco, um dos idealizadores da Escola da Ponte, de Portugal, e Cybele Amado, do Instituto Chapada de Educação. Os arquitetos Bya Goulart e Wolf Reiber, o Instituto Natura, representado por Pedro Villares e Beatriz Ferraz. O prefeito de Uruçuca, Moacyr Leite. Lideranças comunitárias locais, como dona Regina, antiga professora que sempre estimulou ações que visam melhorias na educação da comunidade, Rui Rocha, do Instituto Floresta Viva, Valerie Nicollier e Regina Toffoli, do Movimento Vila Aprendiz e organizadoras do encontro, moradores, empresários, professores e alunos.

Os debatedores foram reunidos em círculo sob uma tenda no terreno da Casa Azul, sede do Vila Aprendiz, numa disposição que facilitava o debate. O engajamento da comunidade na organização do evento demonstrou o interesse na mudança. Moradoras como Gura e Mara providenciaram a alimentação e Sanzio, da Galeria Pizza Bar, ofereceu uma rodada de suas massas. Léo cuidou do som e iluminação, Glaydes da decoração, Paraíso da logística, Nerivalda da limpeza, Serjão do jardim e Nego, da portaria. Os alunos do Núcleo de Comunicação do Vila Aprendiz cuidaram da recepção e serviços gerais. Diversão e cultura ficaram por conta das bandas Xote, Gospel e Dioxina, coordenadas por Maciel, do circo comandado por Ivana e Mateo e da apresentação de capoeira da equipe de Guga.

III - Propostas pedagógicas e arquitetônicas

Pedagógicas - Entre os diagnósticos e propostas dos educadores presentes no debate surgiram alguns pontos em comum. O primeiro deles é a necessidade da escola (e o poder público) dialogar com a comunidade, entender suas demandas e buscar as soluções adequadas. Por outro lado, a comunidade também precisa se envolver e assumir a responsabilidade sobre o processo educacional de suas crianças e adolescentes. O desafio é concretizar estes movimentos. Duas abordagens se sobressaíram:




Maria do Pilar - As escolas atuais refletem modelos do passado, quando o objetivo principal era passar informação. Hoje o acesso à informação é fácil devido aos inúmeros mecanismos de comunicação, como a internet. As escolas precisam desenvolver a capacidade dos alunos de interpretar e analisar as informações.

O projeto educacional deve possuir identidade com as demandas da comunidade. A formação de um efetivo e apartidário conselho municipal de ensino, formado por educadores, vereadores e representantes da comunidade, assim como de um conselho escolar, este formado por professores, pais de alunos e membros da comunidade é fundamental para definir objetivos, acompanhar e corrigir rumos.

Os professores também precisam evoluir e buscar as soluções pedagógicas para as demandas verificadas. O trabalho de um coordenador pedagógico é importante, estimulando uma reflexão periódica dos desafios e problemas enfrentados. A baixa formação dos professores pode ser minimizada por meio do Plano Nacional de formação dos Professores.

José Pacheco - O baixo desempenho e a grande evasão escolar são resultados de uma escola dissociada dos interesses dos alunos e da comunidade, que não dialoga com os jovens. Uma escola que, mesmo quando consegue transmitir seu conteúdo, não forma cidadãos. Ele propõe uma mudança radical na forma de fazer escola. Uma escola que tenha como princípios a liberdade, a responsabilidade e a solidariedade.

O primeiro passo é estabelecer uma escola pública autônoma, dirigida pelos pais e pela comunidade, que respeite as decisões federais e estaduais sobre currículo (com compromisso assumido em um contrato de autonomia), mas que atenda às especificidades de Serra Grande, definidas pela própria comunidade, após consultas que incluam principalmente os alunos. Entraria na discussão desde a definição sobre conteúdo, ciclos de ensino, formatos de aulas e a necessidade de provas, por exemplo. Uma assembléia anual define deveres e direitos de todos os envolvidos.

A escola deve ser integral e integrada à comunidade, onde o aprendizado não se restringe à escola. Caberia aos professores estabelecer uma forte relação com a comunidade e identificar locais e pessoas que, com seu conhecimento (não importa em que área) e exemplo, sejam educadores em potenciais. A meta é criar uma malha de colaboradores na educação das crianças.

Além disso, seriam identificados tutores. Um adulto/educador (professor ou voluntário) que se disponha a acompanhar cada criança, que esteja disponível para ouvir suas dúvidas e inseguranças. Assim como grupos de responsabilidade, formado por alunos e professores, assumiriam compromissos sobre os diversos aspectos da escola.

O próprio papel do professor também seria revisto. Ele não se restringiria a passar automaticamente um conteúdo. Mas trabalharia a partir das dúvidas, ou seja, do interesse dos alunos. Saindo de uma posição do “eu ensino” para “nós aprendemos”. A auto-avaliação dos alunos seria estimulada.

O debate constante entre mestres, alunos e educadores da comunidade em assembléias periódicas ajudaria a aperfeiçoar o processo de ensino.

Este conjunto de ações, adotada na escola da Ponte desde meados dos anos 70, levou a Vila das Aves, no norte de Portugal, a sair de uma taxa de analfabetismo que beirava 80% para zero e seus alunos a se posicionarem entre os de melhor desempenho no país.

Arquitetônicas - Um consenso foi estabelecido a partir de uma manifestação da arquiteta Bya Goulart. Primeiro a comunidade precisa definir o que quer da escola, qual modelo pedagógico seguir e depois projetar o espaço físico adequado ao modelo.

Ao definir que escola são pessoas e não prédios e que a educação não deve se limitar a um espaço físico denominado escola, mas deve se dar em todos os espaços públicos da comunidade, o educador José Pacheco questiona o processo de ensino em escolas e salas de aula tradicionais, fechadas.

Bya Goulart observa que a maioria das escolas segue padrões arquitetônicos do século XIX e busca auxiliar o controle dos corpos e mentes dos alunos. Salas fechadas, crianças enfileiradas diante de uma mesa do professor e um quadro negro. Janelas altas que impedem a visão do que ocorre fora. Este projeto não combina com um modelo pedagógico que valorize a liberdade e a responsabilidade dos alunos. É preciso criar um espaço onde a criança goste e tenha prazer de ficar, que valorize a participação e o diálogo.

Maria do Pilar diz que as escolas devem abrigar os alunos por mais tempo, disponibilizando uma série de atividades extracurriculares. Para isso, é preciso que o projeto comporte refeitórios, banheiros equipados com chuveiros, armários para os alunos guardarem material escolar, biblioteca e outras salas de apoio.

Wolf Reiber apresentou os projetos das escolas Green School, em Bali, Indonésia, e Panyaden School, na Tailândia. As duas fogem ao modelo tradicional formado por salas de aula fechadas. Outro ponto em comum é o projeto arquitetônico em harmonia com o meio ambiente, que utiliza materiais naturais da região, como terra, pedra, piaçaba e bambu e materiais de reciclagem.

IV - Pontos de apoio ao processo de mudança

Vila Aprendiz - Coordenado por Valerie Nicollier, em três anos, o movimento promoveu a abertura da escola pública e estabeleceu um diálogo entre a escola e a comunidade de Serra Grande. O Vila Aprendiz oferece, para todas as crianças e jovens da vila uma série de atividades pedagógicas, algumas extracurriculares e outras integradas ao currículo oficial em horário escolar, que abrangem desde brincadeiras, dança, música, ao aproveitamento dos saberes da comunidade para transmissão de ensinamentos sobre atividades artesanais, panificação, pesca, floresta e até a produção de um jornal comunitário. Estimulada pelo Vila Aprendiz, a secretaria de educação permitiu que a escola municipal, por meio de seus professores, realizasse uma parte das suas atividades pedagógicas fora da sala de aula, utilizando espaços diversos da vila como espaços de aprendizagem. O engajamento dos estudantes é grande, sendo que em três anos por volta de 800 alunos já participaram de atividades organizadas no contexto do Vila Aprendiz.

Projeto Chapada de Educação - A força do exemplo de um projeto de 20 anos que hoje abrange 571 escolas, 86 mil estudantes em 22 municípios na Bahia, com perfis sócio-econômicos parecidos ao de Uruçuca. Em alguns deles, o IDEB supera 5, nota acima da média brasileira. A evasão escolar média foi reduzida de 26% para 3,5%. Segundo a educadora Cybele Amado, a mobilização da sociedade e a formação de redes colaborativas, formada por pessoas dos municípios dispostos a trabalhar junto com os professores na definição, revisão e acompanhamento de metas de ensino fizeram a diferença. Em fóruns anuais, chamados de Dia da Educação, os compromissos da comunidade, vereança e prefeitura (inclusive candidatos) para o ano são estabelecidos.

Instituto Natura - Durante o encontro, Pedro Villares e Beatriz Ferraz, do Instituto Natura, noticiaram a inclusão do município de Uruçuca ao Projeto Trilhas, que disponibiliza cadernos didáticos que orientam os professores na sala de aula, um acervo de livros de literatura infantil e material de apoio como jogos e cartelas de imagens. O objetivo é despertar o gosto dos jovens pela leitura. O projeto, que é realizado em parceria com o Ministério da Educação, teve início em 2010 e já está em 3.300 municípios e 72 mil escolas. Além disso, o projeto estimula a formação de arranjos locais de ensino, com o debate regional de desafios e as boas práticas nas escolas.

V - Próximos passos

Desafio - A nova escola da Vila de Serra Grande deverá ser erguida com recursos públicos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da educação, órgão do Ministério da educação. O FNDE disponibiliza R$ 1.200,00 por metro² construído. A terraplanagem do terreno e a infraestrutura local é de responsabilidade dos municípios. As escolas financiadas seguem um modelo arquitetônico padrão, definido pelo ministério. O FNDE não possui um mecanismo processual para receber e encaminhar propostas que fujam do padrão estabelecido. Como relatou o prefeito Moacyr Leite, representantes de pequenos municípios têm dificuldade de até mesmo conseguir falar pessoalmente com os gestores. Maria do Pilar manifestou que será necessária uma articulação para agendar uma reunião com os dirigentes da FNDE para o encaminhamento do projeto.

Encaminhamento - Os participantes do encontro decidiram formar um núcleo para conduzir o trabalho de definição dos projetos pedagógico e arquitetônico que serão adotados. O grupo, formado inicialmente por volta de 35 pessoas, entre professores, alunos e representantes da comunidade, deverá ser expandido com o convite a outros atores comunitários não presentes ao encontro. A primeira reunião para discussão de propostas está agendada para o dia 2 de março. Como definiu Guilherme Leal, do Instituto Arapyaú, “O processo de discussão não é o caminho mais rápido, mas o mais consistente. A nova escola nasce na sociedade”.

Para Leal, o debate público em Vila de Serra Grande gera um legado para outras comunidades que não se traduz em projetos arquitetônicos e pedagógicos, que não podem ser reproduzidos, uma vez que criados para atender as condições locais, mas na forma de referência como processo de consulta pública, com ampla participação da comunidade, dos alunos, professores, do governo e de especialistas.

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